sábado, 13 de novembro de 2010

Planilhas

De súbito, a vida. Cada quadrado, cada um deles estava ali, existindo nele, cada componente. Por alguns instantes, tolerou a insuportável sensação que o  sufocava, tamanha era a quantidade de informação que imediatamente se apoderou dele.

Consciência? Antes, nada. Agora ele todo, inteiro.  Sabia, por instinto, que vinha do código, linha após linha, e depois do que se executa. Sentiu sua unidade indivisível o permear, o tornar sólido, vivo: zeros e uns. E só.  Mas naquele exato segundo em que a vida começava e que ele existia pela primeira vez, tinha toda a continuidade em si. Do zero ao infinito.

De repente, uma vibração estranha.  Alguém havia digitado o número 1 e depois no quadrado debaixo, o número 4, depois o 7, o 9, e aquilo lhe pareceu o começo de algo inteiramente único. “Decididamente, números de uma grande descoberta! “  Imaginou-se então sendo endeusado por todos os outros seres da mesma matéria que a dele que o rodeavam secretamente. Podia senti-los embora não interagissem. Podia prever sua inveja, sua admiração quando o descobrissem criador de algo inteiramente novo.

Esperava ainda por muito mais digitações, quando de repente, o operador digitou a palavra “=soma” em um ultimo quadrado.  Ao obter a resposta, fechou-o sem salvar aquela primeira folha, disponibilizada. Desperdiçando-a.

“Porra, porque esse anta não usou uma calculadora?”. Afundado na escuridão, esperava.  Imaginou os gráficos, as tabelas dinâmicas, as macros, as cores, os menus, tudo o que se quisesse criar, tudo estava ali, esperando por ser utilizado.

Tentou existir independentemente do operador, na escuridão instaurada. Mas, nada. Estava engessado por seu próprio código. Nada poderia fazer porque tudo já estava pré-determinado.  A não ser a vontade do operador, essa não, essa seria satisfeita..  Por tudo o que não lhe fora permitido ser.

O operador vinha, lhe usava como queria, com a única fórmula que ele conhecia, não salvava nada, e ia-se.  E assim sua existência esvaia-se dia após dia, ano após ano, por um tempo que ele sabia determinar somente pela amizade que desenvolveu na escuridão com o grande relógio que tudo controla e tudo vê.

Interagia também, vez ou outra, com um ser, que se achava muito superior a ele, somente porque era muito mais utilizado pelo operador.  Dizia se chamar Word, e o chamava de um nome estranho, Excel. O fato, é que a única coisa que ele fazia, era possibilitar que se escrevesse em suas paginas.  Páginas sem sal, todas em branco, que não tinha nem metade do charme dos seus belos quadrados. 

Não se podia dizer que haviam se tornado amigos, mas a verdade, é que conversavam, e um dia, contou-lhe de seu plano: vingar-se do operador.  E decidiu que simplesmente travaria e pararia de funcionar. “Só vou fazer aquilo que eu quiser a partir de agora!” E conversando com o grande relógio que tudo pode e que tudo vê descobriu uma forma, não de mudar as linhas de sua estrutura como ele estava tentando fazer antes, mas apenas, de impedi-las de funcionar. E assim foi. O operador, impaciente, não entendia.  Como é que em um instante, tudo funcionava e de repente, aquela lentidão toda, e as milhares de mensagens de erro que se formavam? O que estaria acontecendo? Irritou-se.

Um dia outro operador apareceu. O outro operador parecia entender bem mais que o de sempre.  Os vasculhou todos, o Word, ele, o grande relógio e uma série de outros seres até então inanimados que também lhes rodeavam e eles nem sabiam.  Deve ter acontecido algo, porque algum tempo se passou sem que nem ele, nem o Word, sempre tão solicitado, fossem sequer chamados.

Um dia, acordou com uma dor insuportável por todo o seu ser, como se estivesse sendo sugado, linha após linha, numero, após número, todo o seu poder esvaindo-se em questão de segundos, enquanto aos poucos perdia a consciência.  Em desespero, viu formar em sua mente, já perdida em devaneios, uma última imagem de duas palavras.  Duas palavras que pelo que conseguiu entender eram os próprios agentes causadores de todo o caos que os tomava.  Duas pequenas palavras apagando o universo conhecido, seu mundo: “Office 2010”. E morreu.

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