quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma história do lado avesso

Seria um menino a ser aceito e um pai que o queria feliz se essa história, como todas as histórias reais, não estivesse do lado avesso.  Na verdade era um menino a ser e um pai que não sabia. Era uma vez um menino e seu pai que existiam dentro de mim.

O menino magricela passaria totalmente desapercebido não fosse uns olhos grandes e brilhantes de menino que assiste a vida com zoom.  Não fosse também o gênio forte e o fato de que nunca passaria desapercebido. O menino da pele violeta era o único menino de pele violeta por ali.  

O pai tinha vergonha de apresentar o menino para os amigos e preferia fingir que ele não era seu. E depois, era tanta história de menino brigando aqui, levando advertencia ali, sendo demitido acolá, que o pai não aguentava mais ter que informar ao menino o fracasso que ele era a todo o tempo.  E de fato, de nada adiantava: o menino não entendia, e continuava resistindo inútil e violeta.

Um dia, o dia da minha quase morte escolhida, quebrei computadores e um aquário no escritório e o menino quebrou o que sobrou do lado de dentro. Fui conduzida a uma psiquiatra e o menino à professora. A história da psiquiatra é longa e arde. A história da professora é curta e assopra a história outra. Alívio. A que importa acontece agora e sempre e é assim:

Professora e aluno se encontram. Olhos fazem zoom no violeta da pele dela e no violeta da pele dele. Uma sensação estranha toma seus espaços magricelas de menino. 

E se encontram eles as vezes necessárias para se encontrarem. O menino bate, xinga e sonha. Difícil esse menino. Sonha ele umas histórias de professora que voa, que salva menino de incêndio, de edifícios que desabam, de emprego que se perde, de rosto amado que  abandona, de bicho-solidão. É tanto sonho, tanta bronca, tanta traquinagem, que o menino às vezes até se esquece de viver. 

De um desses sonhos do menino, surge uma história que a professora o faz escrever. E o sonho-história é tão real que cria o único encontro possível dos três em um jardim de árvores violetas.  E o sonho-história é tão irreal que a história deles se desvira do avesso sozinha, e os três se desmancham juntos no ar, na minha frente.

A primeira vez que ouvi a fábula da professorinha-altruista-feliz-pra-sempre-que-salva-menino-baderneiro-brilhante-com-problemas-com-o-pai-ignorante-o-tornando-escritor-e-menino-sem-problemas-com-o-pai-ignorante, ri com desprezo da professorinha outra que nos contou.

Dos tênis aos scarpins a fábula se perdeu em mim. E só outro dia, quando estava abrindo caixas e pacotes que comecei a chorar sem saber porque como quem ri com atraso de piada que só encaixa horas depois.

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